A colaboração de Joesley e o vício brasileiro.

Texto publicado em https://jota.info/artigos/a-colaboracao-de-joesley-e-o-vicio-brasileiro-31052017

Caso não consiga consultar a publicação original, ele pode ser lido aqui:

É normal que fiquemos indignados com os crimes praticados por empresários e políticos e desejemos sua completa punição.

Num mundo ideal, a punição dos crimes cometidos seria imediata, plena, justa e nada custaria à sociedade promovê-la. Uma espécie de Jardim do Éden da justiça criminal.
Na prática, contudo, a realidade está muito distante do ideal. E no Brasil há uma enorme cifra oculta de crimes não descobertos e não investigados. E a regra é que processos judiciais contra a corrupção sejam lentos e custosos e muitas vezes terminem em impunidade.

Com o uso das colaborações premiadas (e somados muitos outros fatores) começamos a diminuir o fosso entre a impunidade e a justa punição. O mundo ideal não existe em nenhum lugar, e não é aqui, onde até bem pouco tempo nem o básico era bem feito, que ele vai se realizar do dia para a noite.

Por isso, neste momento em que sentimos indignação com os fatos noticiados, devemos respirar fundo e canalizá-la na direção certa, que é a análise racional do acordo firmado com a JBS. É a razão, não a emoção, que exige a aplicação da Teoria dos Jogos à justiça criminal.

Os membros do Ministério Público (incluído aí o PGR) são os profissionais habilitados a negociar a colaboração premiada. Eles, assim como os demais brasileiros, gostariam da punição ideal – último passo de um longo processo – mas também precisam cuidar da eficácia das investigações e da interrupção do conjunto das condutas ilícitas praticadas por organizações criminosas.


O acordo homologado pelo Judiciário, pode não ser ótimo, mas atende ao interesse público. Nele, além de outros aspectos já tratados, há pontos positivos como o fato de que (a) aumenta o estímulo a que outros empresários delatem, (b) desestimula a participação dos demais integrantes na organização criminosa (que podem ser delatados por algum membro e cumprirem pena) e (c) estimula a que, em casos futuros, criminosos de mais baixo escalão também documentem os atos praticados e busquem a justiça antes dos chefões.

Quando o acordo foi celebrado, sobre a mesa de negociação haviam duas melhores alternativas ao acordo, uma para o MP, outra para a JBS. A melhor alternativa disponível à JBS era arrastar o processo por anos e contar com as chances de que seus crimes viessem a ser perdoados pela anistia ao caixa 2, que ainda se tenta aprovar. Já a melhor alternativa ao acordo disponível ao MPF era manter as investigações atuais em curso. E recusar a colaboração premiada seria permitir que os crimes delatados continuassem a ser praticados.

A nós brasileiros cabe, neste momento, juntar a emoção da indignação ao objetivo racional da máxima redução da impunidade e nos livrarmos do vício que a sabedoria popular chama de “ver a árvore e não enxergar a floresta”.

Neste caso, esse vício nos faria aceitar que trocássemos a investigação de gravíssimos crimes envolvendo integrantes da alta cúpula do setor público e privado pela possibilidade, talvez remota, da prisão de apenas alguns dos membros da organização criminosa. Não fosse a escolha feita, não suspeitaríamos da atual extensão e continuidade da corrupção entranhada na República brasileira. E vários crimes continuariam a ser praticados. Foi a conhecida escolha entre “um passarinho na mão ou dois voando”. E está faltando mãos às autoridades brasileiras para tantos passarinhos.

Mas não é porque o Ministério Público fez o melhor que podia fazer, que isso quer dizer que não há nada mais a fazer na situação. Nossos problemas são muito maiores que a prisão dos que colaboram com a Justiça, que eventual impedimento do Presidente da República, e que os pagamentos indevidos feitos pela JBS a 1829 candidatos de 28 partidos.

A corrupção no Brasil é a floresta, e os casos individuais são as árvores. Investigação de Temer? Árvore. Interceptação de Aécio? Árvore. Denúncias criminais do Lula? Árvores. Mas os esquemas permanecem mesmo quando perdem seus titulares. Vão-se os anéis, ficam os dedos. A indignação que agora está sendo direcionada para o “Fora Temer” já esteve dirigida ao “Fora Dilma”, mas o sistema político continua aí.

E é do interesse de todos que se beneficiam do esquema que aí está, que os brasileiros acreditem que derrubando uma árvore ou outra estarão resolvendo o problema da corrupção. Por isso tentam canalizar nossa indignação para as pessoas que foram expostas, enquanto mantém os negócios escusos em funcionamento. Isso tem sido feito desde que se iniciou a Operação Lava Jato.

Ao final, se nossa indignação não se aplaca, e se não devemos direcioná-las unicamente às pessoas que são investigadas por esquemas de corrupção, há algo que possamos fazer a respeito da corrupção que tem desestabilizado nossa política e nossa economia?

Há muito o que os cidadãos podem fazer se passarem a enxergar a floresta, como o boicote proposto no WhatsApp aos produtos comerciais da JBS, a exigência de reforma política adequada e fim do caixa 2, e implantação da reforma anticorrupção que foi transformada em perseguição à justiça pelos políticos que aí estão. Há ainda a necessidade de severa restrição à indicação por partidos políticos para a ocupação de cargos técnicos nas chefias, supervisões e diretorias de todos os órgãos públicos e empresas. E existem reformas muito necessárias para as quais podemos canalizar uma raiva construtiva, na direção certa. Mas se falharmos agora, deixaremos esses tormentos de herança para nossos filhos.


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